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Bandido, eu?

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Corrupção pra cá, corrupção pra lá. Tríplex, maleta com dólares, sítio sem dono. O movimento é de direita, esquerda ou sexy? E o que isso tudo tem a ver comigo? Sou apena uma cidadã, latina-americana, sem amigos importantes, que acorda cedo a semana toda para estar em dia com meus compromissos, pago minhas contas e no final de semana, quando sobra um troquinho, tomo uma cerveja com meus amigos em um bar popular da cidade.

Cidadão exemplar o dono do bar, gente boa mesmo! Sou cliente lá há anos, assim como metade do município. Em uma dessas minhas idas ao seu estabelecimento, eu perguntei se ele poderia emitir a nota fiscal do que consumimos naquela boa noite de sábado. O empresário fez uma cara de poucos amigos e logo me disse: “Tá de sacanagem, né?! Nota fiscal pra quê? Pro governo saber quanto ganho? Tô fora! Se quer notinha, vá pro restaurante!”

Dei um sorriso amarelo e segui para minha casa. No caminho, encontrei um amigo. Esse esboçava alegria, estava feliz da vida com o nascimento de seu filho, primeiro herdeiro, João Emanuel o nome da criança. Durante nosso breve encontro, ele me disse que a felicidade tomou conta da sua vida, porém as contas não são pagas com sorrisos e chamegos, então ele teve que encontrar um emprego por fora como Uber.

Questionei o horário que ele atendia, pois nunca sei quando precisarei de uma carona, e grande foi minha surpresa quando ele disse:

— Ué. No horário comercial. No horário de serviço mesmo.

Fiquei pasma com sua resposta e quis saber mais sobre como uma única pessoa conseguia estar em dois lugares ao mesmo tempo, pois eu sabia que ele era funcionário efetivo de uma Fundação, onde ocupava um cargo de prestígio.

Eu estava presenciando ali, naquela rua, com aquele colega, o milagre da onipresença? Será? Definitivamente não! Ao decorrer da história ele me disse que os “amigos” da empresa batiam o cartão para que o pai de família pudesse trabalhar com o aplicativo e comprar o grande estoque de fraldas que seu baby necessitava.

Mais uma vez segui meu caminho. Eu não tinha reparado, porém já estava bem tarde e eu estava cansada. Vou pegar um ônibus, pensei. E lá fui eu para o ponto. Esperei 15 intermináveis minutos para aquela Mercedes Benz chegar. Eu era a décima da fila e isso me confortava, pois representava a alegria do proletariado: ir sentada.

Tudo estava seguindo na maior paz, até que um grupo de adolescentes cumprimentou umas pessoas que estavam na minha frente na fila e simplesmente subiram no ônibus, tirando a minha esperança de ir um pouco mais confortável.

Durante a viagem, perdida em meus pensamentos e com raiva daquela molecada e seus tênis coloridos, eu olhei pra direita. E ali, segurando desajeitada a barra de equilíbrio do ônibus para não ser arremessada para a rua, estava uma senhora idosa, pois o banco preferencial estava ocupado por um senhor que fingia dormir para não ser fuzilado pelos olhares furiosos dos meus colegas pegadores de ônibus.

O trajeto demorou 30 minutos, mas na minha cabeça pareceram horas, dias. Finalmente cheguei em casa e resolvi ligar a TV para relaxar. Pior escolha da noite, pois a matéria que passava no momento dizia que caixa dois não era equivalente a corrupção. Desliguei o aparelho. Vou dormir que ganho mais.

Olhando para o teto e p* da vida eu só conseguia pensar o quanto vivemos todos os nossos dias terceirizando a corrupção. Gritamos e fazemos textão no Facebook pedindo o fim impunidade, porém compreendemos quando nosso vizinho instala GATONET, afinal, o mundo é dos Nets e dos espertos. E é super aceitável também vender seu voto por R$100,00, pois não faz diferença, né? Qualquer um que entrar vai roubar, pelo menos recheio minha carteira.

E assim vamos vivendo e criando gerações com nosso jeitinho brasileiro de ser, nos aproveitando da funcionária que devolveu o troco errado e torcendo para que nunca nos descubram. Afinal, bandido corrupto só existe lá em Brasília, né? Eu sou só um sobrevivente do sistema. E semana que vem estarei novamente tomando minha cerveja e conversando sobre o final de Game of Thrones, assunto que realmente me interessa. Falando nisso, o que você achou da morte da Daenerys?

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Felipe Landes

Posted on June 14, 2019, 3:32 a.m.

Uma Linda Maneira de ser escrever uma realidade, meus parabéns pelo seu grande talento, esses são os primeiros de muitos, de sucesso o que eu posso dizer sobre essa péssima mania do jeitinho brasileiro de ser, foi quando fui pagar uma simples conta para meu pai e lá estava a fila enorme e um dia de sol rachando a fila parada e derrepente uma moça me pediu pra olhar a fila dela pra ela poder trancar a bicicleta, até aí ok quando eu vi ela foi andando andando, até encontrar alguém conhecido, que estava muito a frente de onde ela deveria estar, com isso ela ficou lá conversando conversando, até chegar o caixa, e com isso ela deu a conta para a amiga, e ela pagou para a essa pessoa, e depois ela teve a ousadia de saír rindo da nossa cara que ficamos horas e horas debaixo de um sol quente para pagar uma simples conta, do dia a dia. Se todos pensarem assim, nunca vamos evoluir infelizmente precisamos de pessoas honestas como vc, só assim vamos para frente nesse mundo, sucesso sempre.

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